?? Num contexto europeu, Portugal é caracterizado por um relevo acidentado, de montanhas baixas e extensas superfícies planálticas, e por solos em grande parte inadequados para a agricultura. De facto, aproximadamente, 11% do território situa-se acima dos 700 m e a maioria dos seus solos são ácidos e nutricionalmente desequilibrados. Estas condições desafiantes explicam porque é que as terras aráveis constituem apenas 11,2% da superfície do país, sendo cerca de 5% do território propriedade coletiva. A maior parte do espaço português é florestado (ca. 40%) ou utilizado para pastoreio extensivo ou votado ao abandono (ca. 30%). As condições climáticas prevalecentes – clima mediterrânico seco a sub-húmido de forte influência oceânica – favorecem a acumulação de biomassa arbustiva. Inevitavelmente, boa parte do país está hoje sujeito a um regime de perturbação de incêndios rurais de verão de elevada intensidade/severidade e curto ciclo de recorrência.
A Terra Maronesa clarificou uma complexa rede causal nos espaços de montanha que envolve a arborização pública, o cultivo de cereais, a desvalorização da pastorícia extensiva, a supressão (e repressão policial) dos incêndios pastoris, o abandono dos lameiros e das pastagens de monte, a invasão da vegetação arbustiva (em particular das giestas), um acentuado turnover da flora pratense e o declínio da produtividade e da diversidade nos prados de feno (lameiros) e nas pastagens de montanha, a elevada intensidade e severidade dos incêndios de verão, e o colapso dos stocks de carbono e a acidificação dos solos de montanha.
No início do séc. XX as montanhas estavam dominadas por um coberto vegetal herbáceo vivaz protetor, que preservava o solo da erosão, mantinha um gigantesco stock de carbono armazenado no solo, e garantia o sustento dos muitos rebanhos de vacas e de gado miúdo, a base da economia agrária da montanha. Os nutrientes minerais das plantas – o azoto reduzido, o fósforo, o cálcio e o magnésio, por exemplo – transferidos da montanha pelos animais em pastoreio alimentavam as culturas agrícolas das terras baixas. Os lameiros – as terras mais valorizadas nas transferências de propriedade – eram cuidadosamente geridos e a sua fertilidade restituída. Em cem anos, uma parte significativa da matéria orgânica das pastagens de montanha foi mineralizada para alimentar os cereais na campanha do trigo e as arborizações mediadas pelo estado. Mais de 50% da área de lameiro foi tomada pela vegetação arbustiva. O fogo pastoril foi suprimido. Os combustíveis acumularam-se e aquele fogo pastoril, muito técnico, de baixa intensidade/ severidade, foi substituído por fogos de verão de elevada intensidade/severidade num curto ciclo de recorrência. O fogo de verão mineraliza (queima) a matéria orgânica do solo e liberta para o solo o alumínio livre e o manganês sequestrados pelos coloides orgânicos. Consequentemente, as pastagens de gramíneas vivazes deram lugar a prados anuais de baixa produtividade e palatibilidade, e escassa cobertura e proteção do solo. Dados experimentais mostram que a produtividade caiu de cerca de 4 t de matéria seca/ha para 1-1,5 t de matéria seca/ha. Excluindo os afloramentos rochosos, 1ha de pastagem de montanha alimentava pelo menos 0,8 vacas, hoje esse valor ronda as 0,2 vacas/ha. A substituição do fogo pastoril por um regime de fogos de elevada intensidade/severidade degradou ainda mais o stock de matéria orgânica dos solos de montanha com perdas que atingiram a 50-60 t CO2 eq/ha.
Numa estreita colaboração com os criadores de gado da Serra do Alvão, a Terra Maronesa optimizou o maneio agronómico dos lameiros e o pastoreio extensivo com fogo dos pastos de montanha (herbivoria pírica). A técnica envolve, entre outras componentes, o restauro de lameiros invadidos por arbustos sem extrações de biomassa e perturbação do solo, a correção dos solos de lameiro com calcário e fósforo mineral e o aumento da pressão de pastoreio de inverno para incrementar as gramíneas altas, as leguminosas fixadoras de azoto e a diversidade florística e, ainda, alterações na técnica de fenação para permitir a ressementeira da erva-molar (Holcus lanatus), o alargamento do período de permanência dos animais na montanha, o transporte de nutrientes montanha acima através de fenos, o uso criterioso do fogo prescrito, e a introdução de cercas, bebedouros, mangas de maneio e manjedouras móveis.
Para além dos já referidos efeitos virtuosos no stock de carbono, diversidade biológica e produtividade, a integração destas técnicas implica ganhos de bem-estar animal (os animais vivem livremente na montanha, deslocando-se de acordo com a meteorologia e a oferta forrageira, podendo expressar naturalmente comportamentos inatos com contactos limitados com humanos), aproximar dos 100% a produção de alimentos animais dentro do sistema, e reduzir as despesas de saúde animal a programas simples de vacinação e desparasitação. Simultaneamente, confirma-se um incremento da produtividade do trabalho (um único criador pode gerir, só, uma manada de 100 vacas) e do rendimento nas explorações agrícolas.
Outras inovações técnicas estão em estudo no âmbito da Terra Maronesa como seja a sementeira de pastagens melhoradas no processo de restauro de pastagens a partir de matos altos, e técnicas para conciliar a regeneração da floresta autóctone com o pastoreio.
A comercialização e valorização da carne são outras duas vertentes trabalhadas pela Terra Maronesa. Assim como a divulgação no espaço público da importância (inevitabilidade) do pastoreio extensivo e da utilização do fogo controlado.
Em suma, a recuperação herbivoria pírica é o caminho mais eficaz e eficiente para a restituição da fertilidade e do coberto verde das montanhas e para a recuperação dos stocks de carbono dos seus solos (sequestro de carbono). A teoria ecológica e a evidência empírica mostram que a substituição de padrões de perturbação de grande intensidade e curto ciclo de recorrência por outros, benignos, diversificados (ex. herbivoria + fogo), de baixa intensidade, incrementam a diversidade biológica a diversas escalas.
?? In a European context, Portugal is characterized by rugged terrain, with low mountains and extensive plateaus, and soils that are largely unsuitable for agriculture. In fact, approximately 11% of the territory lies above 700 meters, and most of its soils are acidic and nutritionally imbalanced. These challenging conditions explain why arable land constitutes only 11.2% of the country’s surface, with about 5% of the territory being communal property. Most of Portugal’s land is forested (around 40%) or used for extensive grazing or left abandoned (around 30%). The prevailing climatic conditions—dry to sub-humid Mediterranean climate with a strong oceanic influence—favor the accumulation of shrub biomass. Inevitably, much of the country is now subject to a regime of high-intensity/high-severity summer wildfires with short recurrence intervals.
Terra Maronesa has clarified a complex causal network in mountain areas involving public afforestation, cereal cultivation, the devaluation of extensive pastoralism, the suppression (and police repression) of pastoral fires, the abandonment of meadows and mountain pastures, the invasion of shrub vegetation (particularly brooms of the genus Cytisus), a significant turnover of grassland flora, and the decline in productivity and diversity of hay meadows (lameiros) and mountain pastures, the high intensity and severity of summer wildfires, and the collapse of carbon stocks and acidification of mountain soils.
At the beginning of the 20th century, the mountains were dominated by a protective perennial herbaceous cover that preserved the soil from erosion, maintained a massive stock of carbon stored in the soil, and supported the many herds of cattle and small livestock that formed the basis of the mountain agrarian economy. The mineral nutrients of plants—reduced nitrogen, phosphorus, calcium, and magnesium, for example—transferred from the mountains by grazing animals nourished the agricultural crops of the lowlands. The hay-meadows—the most valued lands in property transfers—were carefully managed, and their fertility was permanently restored. In a hundred years, a significant portion of the organic matter in mountain pastures was mineralized to feed the wheat crops and state-mediated afforestation. Over 50% of the meadow area was taken over by shrub vegetation. Pastoral fire was suppressed. Fuels accumulated, and that highly technical, low-intensity/low-severity pastoral fire was replaced by high-intensity/high-severity summer wildfires with short recurrence intervals. Summer fires mineralize (burn) the soil’s organic matter and release free aluminum and manganese sequestered by organic colloids into the soil. Consequently, perennial grass pastures gave way to low-productivity, low-palatability annual grasslands with sparse soil cover and protection. Experimental data show that productivity dropped from about 4 tons of dry matter/ha to 1-1.5 tons of dry matter/ha. Excluding rocky outcrops, 1 hectare of mountain pasture fed at least 0.8 cows; today, that value is around 0.2 cows/ha. The replacement of pastoral fire with a regime of high-intensity/high-severity fires further degraded the organic matter stocks of mountain soils, with losses reaching 50-60 tons of CO2 equivalent/ha.
In close collaboration with livestock breeders in the Serra do Alvão, Terra Maronesa has optimized the agronomic management of hay-meadows and extensive grazing with fire in mountain grasslands (pyric herbivory). The technique involves, among other components, the restoration of meadows invaded by shrubs without biomass extraction and soil disturbance, the correction of meadow soils with limestone and mineral phosphorus, and increased winter grazing pressure to enhance tall grasses, nitrogen-fixing legumes, and flora diversity, as well as changes in haymaking techniques to allow the reseeding of Holcus lanatus grass, extending the period animals spend grazing in the mountains, transporting nutrients uphill through hay, the judicious use of prescribed fire, and the introduction of fences, water troughs, handling pens, and mobile feeders.
In addition to the aforementioned virtuous effects on carbon stocks, biodiversity, and productivity, the integration of these techniques implies gains in animal welfare (animals live freely in the mountains, moving according to weather and forage availability, able to express natural innate behaviors with limited human contact), approaching 100% on-farm animal feed production, and reducing animal health expenses to simple vaccination and deworming programs. Simultaneously, there is an increase in labor productivity (a single breeder can manage a herd of 100 cows alone) and farm income.
Other technical innovations are under study within Terra Maronesa, such as seeding improved pastures in the process of restoring pastures from tall shrubs, and techniques to reconcile the regeneration of native forests with grazing.
The commercialization and valorization of meat are two other areas addressed by Terra Maronesa, as well as raising public awareness of the importance (inevitability) of extensive grazing and the use of precribed fire.
In summary, the recovery of pyric herbivory is the most effective and efficient path to restoring the fertility and green cover of mountains and recovering the carbon stocks of their soils (carbon sequestration). Ecological theory and empirical evidence show that replacing high-intensity, short-recurrence disturbance patterns with benign, diversified ones (e.g., herbivory + fire), of low intensity, increases biodiversity at various scales.